“Brasil, mostra tua cara” é tema de primeira plenária do VI Congresso
A primeira sessão plenária do VI Congresso Internacional de Cuidados Paliativos teve como tema “Brasil, mostra tua cara”, que é o mote principal do evento.
A médica Tânia Pastrana, presidente da Associação Latinoamericana de Cuidados Paliativos, destacou em sua fala que a mudança demográfica por que passa o mundo vem gerando um aumento no número de doenças relacionadas a doenças crônicas não transmissíveis, portanto, da população que necessita de Cuidados Paliativos.
Segundo a OMS, cerca de 40 milhões de pessoas no mundo precisam de Cuidados Paliativos. Metade delas já se encontram em final de vida, enquanto a outra metade se encontra ainda com a doença em curso. Entre as condições mais comuns nesses pacientes encontram-se doenças cardiovasculares (39%), doenças pulmonares (34%), câncer (10%), HIV/Aids (6%), entre outras.
Pastrana ressaltou que apesar de a necessidade ser grande, para a grande maioria uma pequena intervenção de Cuidados Paliativos já traria benefícios imensos. “Apenas 5% a 10% precisam de cuidados extremamente especializados, mas para 60% a 70% o conceito básico de Cuidados Paliativos seria suficiente. No entanto, apenas 14% da população é assistida, enquanto 86% “não têm nada e morrem com dor e sofrimento”.
Ela abordou também a questão do acesso a medicamentos, que classificou como muito ruim no mundo todo. Segundo a médica, 83% das pessoas têm acesso a medicamentos, mas esse consumo se concentra em alguns países da Europa, EUA, Canadá e Japão. O resto do mundo consome 6% dos medicamentos para dor. “Isso seria o equivalente a dizer que se o mundo tivesse 10 pessoas, 2 delas estariam consumindo quase 94% dos medicamentos”, comparou.
Ela comemora uma conscientização de órgãos internacionais a respeito da importância dos Cuidados Paliativos. Em 2013 a OMS incluiu medicamentos para dor e cuidados paliativos na lista de medicamentos essenciais – a instituição hoje classifica esse tipo de cuidado como uma responsabilidade ética dos sistemas de saúde e uma obrigação ética de profissionais de saúde. Outro grande marco foi a assinatura por todos os países na Assembleia Mundial de Saúde de um acordo que determina a inclusão dos Cuidados Paliativos como um componente importante no sistema de saúde durante o curso de vida.
Ela concluiu sua fala enfatizando que a demanda por cuidados paliativos é grande e crescente, porém a a cobertura é insuficiente. “Precisamos fazer um chamado mundial a integrar os cuidados paliativos nos serviços de saúde”, finalizou.
Cenário brasileiro
Para falar sobre as particularidades dos Cuidados Paliativos no Brasil foi convidada a presidente da ANCP e do VI Congresso, Maria Goretti Maciel.
Segundo ela, em 2013 foram registradas 1,2 milhão de mortes, das quais 900 mil por doenças crônicas que poderiam ter sido paliadas. “E estamos falando só de mortes. É provavelmente mais se pensarmos em todo o período que precede a doença, em que é importante ser paliado”, disse.
Apesar da crescente demanda, Goretti ressalta que a falta de mapeamento dos serviços de Cuidados Paliativos no Brasil dificulta ter uma ideia real do que acontece no país – onde estão os principais gargalos, quais as principais dificuldades de cada região. Sem uma política nacional de Cuidados Paliativos, não há um cadastro nacional oficial dos serviços.
“Hoje trabalhamos em Cuidados Paliativos extraoficialmente. Uma repórter um dia me perguntou quantos leitos para Cuidados Paliativos havia no país. Disse que achava serem cerca de 400. Ela ligou no Ministério da Saúde para checar e lá ela foi informada de que não existem leitos para Cuidados Paliativos”, contou. “Isso acontece porque eles não estão cadastrados como tal.”
Foi nesse cenário de lacunas que Goretti contextualizou a ANCP, destacando as conquistas e desafios da instituição em cinco áreas desde sua fundação em 2005. Ela usou uma locomotiva e seus vagões para ilustrar a trajetória da ANCP. “Ainda não temos um trem bala, mas precisamos seguir sem perder o ritmo ou voltar para trás”, disse.
– Ciência: “Entre 2000 e 2005, o grande desafio era trazer a ciência para os Cuidados Paliativos, já que antes falava-se deles de uma maneira muito caridosa e carinhosa. É preciso de um conhecimento muito peculiar para se exercer Cuidados Paliativos com qualidade. E temos que levar nosso conhecimento a outras especialidades, e não o contrário.”
– Oficialização: “De 2005 a 2010, nossa grande tarefa foi oficializar nosso trabalho. Um dos grandes marcos foi a resolução 1805/2006 do CFM, que foi contestada na Justiça. Eu e Claudia (Burlá), que éramos membros da Câmara Técnica da Terminalidade, fomos acusadas de crime de incitação à eutanásia e enfrentamos a Justiça federal. Outros marcos foram a inclusão dos CP no Código de Ética Médica e o reconhecimento da medicina paliativa como área de atuação.”
– Educação: “Alguns pontos que precisam ser prioritários para educação em CP: disseminar conceitos corretos; criar serviços de CP dentro dos hospitais formadores; treinar profissionais que estão há mais tempo na prática; formar professores; e abrir espaço nos currículos acadêmicos.”
– Política pública: “Esse é o nosso principal desafio atualmente. Mas para formular uma política, precisamos conhecer o nosso país, conhecer os modelos que existem. E é importante ficar claro que a ANCP não faz política pública. Quem faz isso são os gestores. O papel da ANCP é fornecer informações para esses gestores, de forma que eles elaborem uma política de qualidade.”
– Pesquisa: “Não faremos boas políticas se não tivermos pesquisas de qualidade ou ciência de qualidade. Precisamos nos envolver com isso, sempre com ética e responsabilidade nos projetos.”
– Assistência e extensão: “Além dos serviços de saúde, o Brasil precisa entender o que são Cuidados Paliativos. Uma boa comunicação é algo que a gente pode fazer.”
Na linha de seu discurso de abertura, Goretti concluiu destacando mais uma vez a importância da união. “A ANCP precisa ser uma comunidade. É o que precisamos aprender a ser, todos nós, juntos. Uma comunidade significa todos trabalham pelo bem comum, e não o contrário. A responsabilidade de a ANCP ser este canal que nós queremos que ela seja é de cada um”, concluiu.