É possível ofertar cuidados paliativos para presidiários no Brasil?
Por Luciane Loures dos Santos, André Filipe Junqueira dos Santos e Frederica Montanari Lourençato*
A realidade do sistema prisional brasileiro está exposta no noticiário e exibe sempre seu pior cenário: cadeias superlotadas, quarto lugar em número de pessoas presas no mundo, 40% do total de presos sem julgamento, pessoas com penas já cumpridas e que não ganham a liberdade por questões burocráticas e, especialmente, muita violência.
Não é diferente quando se trata dos cuidados de saúde nas cadeias. O Ministério da Justiça, por meio do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, publicou uma resolução em 29 de outubro de 2015, que estabelece uma série de direitos ao acesso de cuidados em saúde, além da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (2014). Porém, ainda que tais políticas nacionais e internacionais advoguem sobre o direito à saúde das pessoas privadas de liberdade, são poucas as unidades que aderiram e que implantaram a política. Existem 2.775 unidades prisionais distribuídas nos 27 estados brasileiros, com capacidade instalada para acomodar 388.732 pessoas, que abrigam 636.419 presos, e, destas, apenas 30% possuem equipes de saúde implantadas (Soares Filho, 2016). Não são exigidas especialidades aos profissionais – exceto nos casos de unidades prisionais com pessoas com doenças psiquiátricas e que são acompanhadas por psiquiatras e psicólogos.
Ainda mais complicada é a oferta de atendimento em cuidados paliativos, embora a resolução de 2015, em seu artigo 18, acompanhe a recomendação da Organização das Nações Unidas, de que é dever do Estado “disponibilizar cuidados paliativos e libertação humanitária para casos de doenças terminais”.
A Lei de Execuções Penais, por exemplo, determina que presos com doenças graves podem solicitar prisão domiciliar, o que inclui enfermidades como câncer e tuberculose em situação grave. Porém, apenas o condenado cumprindo pena em regime aberto – quando passa o dia fora e dorme na penitenciária – tem direito a esse pedido. Na prática, alguns detentos com doenças graves conseguem esse direito mesmo sem estarem no regime semiaberto, mas a aprovação depende do entendimento do juiz e é quase sempre muito morosa.
A atenção à saúde no sistema penitenciário, quando existente, é precária e de baixa resolutividade e tem sido agravada pelo envelhecimento da população carcerária, que além de ser mais suscetível às doenças transmissíveis e transtornos mentais, também padece de doenças crônicas e neoplasias. Na Espanha, um em cada dois presos apresentam doenças crônicas (Vera-Remartínez, 2014), realidade que vem se aproximando no Brasil, apesar dos poucos estudos na área. O envelhecimento da população carcerária, a superlotação, a superposição das doenças crônicas e transmissíveis, a falta de recursos humanos e o descaso do Estado tendem a agravar a assistência à saúde que já vive em estado de emergência.
O detento em sistema penitenciário fechado, que é internado por problemas de saúde, tem sua representação legal a cargo da Secretaria de Segurança Pública. Quando a doença deixa sequelas e ele necessita de cuidados, pode ser solicitado um instrumento denominado indulto humanitário. O Decreto Presidencial n. 2.002, de 9 de setembro de 1996, no artigo 1º, II, diz: “É concedido indulto ao condenado à pena privativa de liberdade que se encontre em estágio avançado de doença incurável, comprovado por laudo circunstanciado de médico oficial ou, na falta deste, de médico designado, desde que não haja oposição do beneficiado”. O indulto humanitário deve conter um relatório médico com as condições atuais de saúde e ser encaminhado à administração do presídio, para que o indulto seja solicitado ao juiz.
Os detentos internados que já recebem visitas de familiares nos presídios podem continuar a recebê-las, desde que nos mesmos dias e horários, obedecendo ao cadastro de visitantes já elaborado no presídio. Quando um presidiário é internado, é obrigatório o acompanhamento de um policial militar e um agente de segurança do presídio, que fazem a guarda do detento e garantem a segurança do hospital. Toda questão médica relacionada ao presidiário internado deve ser discutida com sua escolta policial e repassada à administração do presídio. Em caso de sequelas é necessário aguardar o indulto humanitário para que a família possa ser atendida na perspectiva da alta.
Nas condições descritas e hoje vivenciadas por pessoas em situação de cárcere, a realização de Cuidados Paliativos encontra uma grande barreira jurídica e prática. Porém, cabe aos profissionais de saúde lembrar que o atendimento de qualquer pessoa envolve a dignidade humana como direito fundamental e que o exercício dos Cuidados Paliativos deve ser considerado dentro dos princípios fundamentais da Medicina: uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, exercida sem discriminação de nenhuma natureza e tendo como o alvo de toda a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
*Luciane Loures dos Santos é médica e docente do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; André Filipe Junqueira dos Santos é médico geriatra do Serviço de Cuidados Paliativos da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; e Frederica Montanari Lourençato é assistente social da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo