ENTREVISTA EXCLUSIVA: Sheila Payne fala sobre os desafios da pesquisa em Cuidados Paliativos
por Carla Dórea Bartz
Sheila Payne é diretora do International Observatory on End of Life Care (IOELC) da Universidade de Lancaster, na Inglaterra. Ela é uma das lideranças mais influentes nos estudos de terminalidade da vida na Europa, com mais de 10 livros publicados e dezenas de artigos científicos. Um dos focos de seu trabalho é a organização de programas de pesquisa em Cuidados Paliativos. Acompanhe, a seguir, entrevista exclusiva que ela concedeu para o site da ANCP. Ela fala sobre sua trajetória acadêmica, sobre modelos de assistência e sobre o papel do psicólogo na equipe multiprofissional.
Sheila Payne estará no VI Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos, em Curitiba, na semana que vem, quando dividirá uma mesa com o diretor científico da ANCP, Dr. Ricardo Tavares de Carvalho.
ANCP – Pode nos contar um pouco sobre a sua trajetória acadêmica?
Sheila Paine – Inicialmente, eu me formei em Enfermagem em 1972 no St. Mary’s Hospital, em Londres. Depois, me graduei em Psicologia pela Universidade de Exeter e, em 1989, concluí doutorado na mesma área. Sou uma Chartered Health Psychologist [classificação da Associação Britânica de Psicologia] certificada e, desde 1990, trabalho como pesquisadora e acadêmica na área de Psicologia da Saúde.
ANCP – Quando você se interessou por Cuidados Paliativos e terminalidade da vida?
SP – Meu interesse no cuidado a pessoas em fase final de vida surgiu durante meu trabalho como enfermeira em Londres e na Nova Zelândia. Meu doutorado focou na qualidade de vida de mulheres com câncer de mama e câncer de ovário avançados. Na ocasião, acompanhei a trajetória de pacientes nos últimos seis meses de suas vidas. Tenho trabalhado como pesquisadora na área de Cuidados Paliativos e terminalidade da vida desde 1990.
Um fato em especial foi decisivo. Há 25 anos, para melhorar meus rendimentos, trabalhei como enfermeira freelance. Um de meus trabalhos foi dar assistência especial a uma senhora que estava morrendo sozinha em uma casa de repouso em Torbay [cidade inglesa]. Em seus dias finais, ela me ensinou muito sobre o processo de morrer, o controle da dor e a importância de se estar emocionalmente perto de uma pessoa em seus momentos finais. Para mim, foi um grande privilégio compartilhar esses momentos. Meu fascínio com a perda, o morrer e o luto e o desejo de melhorar a assistência nessa fase da vida só aumentaram desde então.
ANCP – Quais são suas áreas de pesquisa atualmente?
SP – Sou diretora do International Observatory on End of Life Care (IOELC), situado na Universidade de Lancaster. O IOELC é um dos mais importantes centros internacionais de pesquisa em terminalidade da vida e exerce um importante papel. Seus resultados influenciam as políticas de desenvolvimento de serviços e de assistência em Cuidados Paliativos tanto no Reino Unido quanto em outros países. O foco de nosso trabalho é entender os modelos organizacionais e como são aplicados nos diferentes países, com sistemas econômicos e de saúde diversos. Melhorar o acesso à essa assistência, facilitar o controle da dor de maneira adequada, aliviar os sintomas, prestar assistência psicológica aos pacientes e de luto aos familiares são os maiores desafios dos sistemas públicos de saúde nos dias de hoje.
O IOELC tem conseguido impactar consideravelmente no desenvolvimento dos Cuidados Paliativos, através de pesquisa e avaliação de serviços. Nossa pesquisa está agrupada em quarto áreas principais:
- 1. Pesquisa sobre as necessidades das pessoas idosas;
- 2. Avaliação dos modelos de serviços e atendimentos;
- 3. Controle de sintomas;
- 4. Metodologia.
Meu foco está nos dois primeiros temas e atualmente administro 15 fundos. Nos últimos seis anos, nós conseguimos gerar mais de 6,1 milhões de libras em fundos [R$ 16,7 milhões].
ANCP – Como estão as pesquisas sobre luto e terminalidade da vida na Europa?
SP – São duas áreas distintas. As pesquisas e estudos sobre o luto e perda são uma grande área acadêmica na Europa. A publicação principal é chamada Mortality. Na Europa Ocidental, os estudos nas áreas de Cuidados Paliativos e cuidados de final de vida são bastante desenvolvidos em alguns países e são coordenados pela European Association for Palliative Care Research Network (EAPC-RN) (http://eapcnet.eu/Themes/Research.aspx). A EAPC-RN administra uma série de fundos para programas internacionais de pesquisa. Em muitos países, no entanto, ainda há enormes carências e dificuldades para se conseguir financiamento, organização e desenvolvimento de centros de excelência e capacitação de lideranças.
ANCP – Qual é o papel do psicólogo na equipe multiprofissional em Cuidados Paliativos?
SP – Eu e minha colega Saskia Junger, da Alemanha, lideramos a EAPC Task Force on Education for Psychologists in Palliative Care [Força Tarefa de Educação para Psicólogos em Cuidados Paliativos da EAPC]. Realizamos uma pesquisa de campo em oito idiomas que levantou muita informação sobre a diversidade de funções e atividades dos psicólogos em um time multiprofissional. Para saber mais, sugiro a leitura:
Juenger S and Payne S. Guidance on postgraduate education for psychologists involved in palliative care. European Journal of Palliative Care, 2011, 18(5): 238-252.
[Artigo disponível na Biblioteca Virtual da ANCP]
ANCP – Qual a formação que um psicólogo precisa ter para atuar em Cuidados Paliativos?
SP – Obviamente, a primeira coisa é uma graduação em Psicologia e as qualificações requeridas em seu país. Faço parte de um grupo de trabalho encarregado, pela Sociedade Britânica de Psicologia, de preparar um documento com as principais recomendações e as principais competências para os profissionais que querem atuar em Cuidados Paliativos e Terminalidade da Vida. Para saber mais, sugiro a leitura do seguinte artigo:
Kalus, C., Beloff, H., Brennan, J., McWilliams, E., Payne, S., Royan, L. and Russell, P. The role of psychology in end of life care. The Professional Board of the British Psychological Society, March 2008.
[Este artigo pode ser adquirido no seguinte link: http://bit.ly/AAOKBH]
ANCP – Na sua opinião, quais são os principais desafios dos Cuidados Paliativos hoje no mundo?
SP – Há boas razões para sermos positivos e termos esperança. Na última década, houve um reconhecimento considerável, pelos governos e instituições de saúde, das necessidades das pessoas com doenças avançadas e que se aproximam do final da vida. Para mim, os desafios recaem em assegurar acesso adequado, no momento certo e a preços acessíveis aos medicamentos necessários, incluindo os opioides, que precisam estar à disposição de qualquer um com dor. Isso é trabalho dos governos, que são os únicos que podem assegurar este equilíbrio. Os sistemas públicos de saúde enfrentam atualmente desafios para assegurar as necessidades de seus cidadãos. Com aumento da população mais velha, mais pessoas estão vivendo e morrendo em consequências de doenças crônicas. As novas tecnologias médicas permitem maior longevidade nessas condições. Nós precisamos pensar, de maneira mais proativa, sobre modelos de assistência que sejam mais baratos e mais sustentáveis e que capacitem as comunidades, os profissionais de saúde e de serviço social em todos os níveis.
ANCP – Qual é a mensagem que você trará ao VI Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos?
SP – Fui convidada para falar sobre a organização de programas de pesquisa. Estou ciente que há desafios enormes na condução de pesquisas em Cuidados Paliativos, tanto nos aspectos éticos, metodológicos, quanto práticos. Na Europa, os debates têm sido emocionais. As principais publicações na área questionam quão ético ou justificável é recrutar pessoas que estão morrendo para participar de estudos. Na minha opinião, coletar evidências em experimentos com moribundos e com suas famílias se justifica porque, ao mesmo tempo, não fazer isso é lhes retirar o poder e negar sua autonomia como adultos. Se pretendemos entender melhor suas necessidades, melhorar o controle de sintomas e a configuração dos serviços, precisamos mais do que relatos de experiência dos profissionais de saúde ou fazer suposições sobre os desejos dos pacientes. Precisamos respeitar as decisões desses pacientes e de seus familiares. Muitos terão coisas melhores para fazer ao final de suas vidas do que participar de estudos. Outros, no entanto, gostarão de contribuir como parte de um último legado. Espero, no VI Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos, trocar conhecimentos com os profissionais de saúde do continente e construir futuras colaborações.
Serviço:
VI Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos
Inscrições e programação: http://vicongresoalcp.org/bienvenidos/
Permitida a reprodução desde que citada a fonte.