Por trás da dor
Por Fábio de Castro / Especial Agência FAPESP
Pesquisadores brasileiros e estrangeiros se reuniram no dia 14 de julho, no Instituto Butantan, em São Paulo, para discutir os mais recentes avanços e os principais desafios da pesquisa sobre os mecanismos moleculares e celulares ligados à dor e à analgesia.
O workshop foi promovido pelo Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP. O evento foi coordenado por Yara Cury, pesquisadora do Instituto Butantan, e por Sergio Henrique Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com o diretor do CAT, Hugo Aguirre Armelin, durante o evento os estudantes e pesquisadores que lotaram o auditório do Museu Biológico do Instituto Butantan puderam perceber que é possível produzir no Brasil ciência de alto nível na área de dor e analgesia.
“Um dos objetivos do workshop consistiu em apresentar a qualidade do trabalho que vem sendo feito no CAT, em comparação com as pesquisas apresentadas por alguns dos principais cientistas estrangeiros na área. Foi uma oportunidade para avaliar em que nível está nossa pesquisa e mostrar para os estudantes que eles têm chance de fazer aqui o que também se faz no exterior”, disse à Agência FAPESP.
De acordo com Armelin, o Laboratório de Dor e Sinalização do Instituto Butantan, liderado por Cury, é um dos mais desenvolvidos no âmbito do CAT.
A equipe do laboratório descobriu a crotalfina, uma toxina isolada a partir do veneno da cascavel (Crotalus durissus terrificus), com potente atividade analgésica. A instituição possui a patente da substância desde 2004 e se associou à indústria farmacêutica para desenvolver o medicamento.
“Essa descoberta só foi possível porque a professora Yara Cury mantém há anos um grupo muito forte, que faz ciência sobre os mecanismos de dor e analgesia. Sem essa ciência por trás, não adiantaria ir atrás de toxinas interessantes. É preciso estudar a fundo os mecanismos envolvidos na dor e na atividade analgésica”, disse.
A série de workshops organizada pelo CAT tem também o objetivo de mostrar o que o centro conseguiu desenvolver ao longo da última década. Como os CEPIDs têm prazo de duração de 11 anos, o projeto do CAT será encerrado em 2011.
“Isso não quer dizer que laboratório encerrará suas atividades. Ao contrário, ele é parte da herança deixada ao Butantan pelo CEPID-FAPESP. Assim como outros grupos do CAT, ele se consolidou ao longo desses 11 anos e adquiriu musculatura suficiente para andar com as próprias pernas em um patamar muito competitivo. Durante esse período também formamos muitas jovens lideranças, formando novos grupos muito bem estabelecidos”, afirmou Armelin.
Pesquisa básica e aplicada
De acordo com Cury, parte da excelência do trabalho desenvolvido no CAT se deve ao fato de o Instituto Butantan oferecer estrutura para trabalhar não apenas com técnicas de biologia molecular, mas também com pesquisa in vivo. Por isso, o workshop incluiu em seus temas a discussão sobre o estado atual da pesquisa em modelos animais.
“Os estudos in vitro dão uma visão muito precisa dos mecanismos moleculares e do que ocorre com a substância, o que causa dor ou analgesia. Mas quando isso é transferido para estudos in vivo, o cenário muda completamente, porque ali o mecanismo está associado a todo o sistema biológico. É preciso abordar todos esses aspectos. Nosso objetivo é trabalhar paralelamente com esses dois aspectos e o workshop discutiu ambas as perspectivas”, disse Cury.
Sem o trabalho com modelos animais, segundo a cientista, não seria possível transformar o conhecimento sobre os mecanismos da dor e analgesia em drogas capazes de controlar de fato a dor no ser humano, ou entender por que ele sente dor em doenças específicas.
“Com o objetivo de discutir o desenvolvimento mais atual dos mecanismos celulares e moleculares da dor e da analgesia, não podíamos deixar de fora a discussão sobre o uso dos modelos animais”, afirmou.
A experiência da descoberta da crotalfina, segundo Cury, revelou claramente a importância de desenvolver estudos aplicados e pesquisa básica ao mesmo tempo.
“Conseguimos isolar a substância e verificar sua atividade analgésica. Mas precisamos entender como a substância funciona e não sabemos ainda qual é o seu alvo molecular. Compreendendo isso, poderemos desvendar a sinalização envolvida e desenvolver outras substâncias tão ou mais efetivas que a crotalfina”, disse.
A substância poderá também ser tomada como um modelo para desenhar novas substâncias, segundo Cury. “Talvez ela nem chegue a se tornar um medicamento, mas, a partir desses estudos, com o aumento do conhecimento que eles trazem à pesquisa básica, será possível aprimorar outras substâncias que estamos desenvolvendo a fim de transformá-las em analgésicos. No CAT temos a sorte de poder trabalhar com os dois aspectos”, explicou.
Uma das principais dificuldades da pesquisa na área, segundo a pesquisadora do Butantan, é que, quando se desenvolve um fármaco para uma dor específica, ele age em determinado ponto de um mecanismo molecular cuja importância, no entanto, pode não se restringir à dor, mas se estender a vários outros sistemas fisiológicos.
“Nesses casos, o medicamento interfere na dor, mas também altera todo o sistema, causando efeitos adversos. Por isso, é preciso conhecer melhor o mecanismo molecular, a fim de se desenhar uma droga que se encaixe com mais precisão no receptor que está alterado pela dor relacionada a determinada doença. Isso não é algo trivial. Mas temos conseguido muitos avanços com novas abordagens e técnicas”, destacou Cury.
Durante o workshop, Daniel Tracey, da Universidade de Duke (Estados Unidos), abordou o tema Alternatives to mammalian pain models: using Drosophila to identify novel nociceptive genes. Carlos Parada, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), falou sobre Oligonucleotide antisense as a new pharmacological tool to control pain.
Giles Rae, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apresentou palestra sobre o tema Endothelins as potential new targets for pain relief: what is the current picture?.
Lakshmi Devi, da Faculdade de Medicina Mount Sinai (Estados Unidos), debateu o tema Interactions between cannabinoid and opioid receptors during neuropathic pain.
Peripheral injury regulates opioid receptor expression and increases the antinociceptive effect of crotalphine, an opioid-like drug foi o tema de Yara Cury. Jeffrey Mogil, da Universidade McGill (Canadá), apresentou a palestra What’s wrong with animal models of pain?.