Um olhar no momento do fim
Sylvie Legoupi é uma fotógrafa francesa autodidata. Formada em Letras Modernas pela Universidade de Rennes, cidade na região da Bretanha, ela vê na fotografia uma forma de experimentar suas capacidades de adaptação. “Sempre quis me testar diante de temáticas dolorosas que tocam a vulnerabilidade humana”, explica. Com a proposta de tentar fotografar o que há de mais íntimo no outro, ela procurou o Centro Hospitalar da Universidade de Rennes (CHU de Rennes) para fotografar serviços reconhecidos como “sensíveis”. Começou na neonatologia com bebês prematuros, passou pela hematologia e, finalmente, cuidados paliativos.
Para a série de fotos que compõem a reportagem, cedida por Sylvie para o site da ANCP, ela passou cinco semanas imersa nos serviços de cuidados paliativos. Duas semanas nas equipes móveis, uma na unidade fixa, outra em pneumologia e mais uma na chamada unidade médica de medicina polivalente. “A direção do hospital, os médicos e profissionais de saúde ficaram muito felizes em participar do trabalho, cujo objetivo foi aprofundar a reflexão sobre cuidados paliativos associando o meu olhar ao deles”, diz.
Os pacientes e acompanhantes fotografados também acolheram o projeto com carinho e a fotógrafa manteve uma relação mais duradoura com eles do que o simples tempo de um clique. “Dediquei um tempo a escutá-los, conversar, sem fotografar. Só depois de estabelecida uma relação de confiança, é que comecei o trabalho”, diz. Ela enviou fotos a todos os pacientes para que eles pudessem partilhar o resultado.
Saiba mais sobre a visão da fotógrafa em relação aos cuidados paliativos e veja algumas das imagens feitas no serviço do hospital de Rennes.
De onde surgiu seu interesse nos cuidados paliativos?
Sylvie – No Ocidente, tendemos a fugir o máximo possível de qualquer ligação com os mortos, porque isso nos lembra nossa própria mortalidade. Nossa medicina tende a revogar a morte, curá-la como se fosse uma doença. Sendo que a morte faz parte da existência, do crescimento e do desenvolvimento do homem tanto quanto o nascimento. Me parece primordial que nossas sociedades parem de recusar essa ligação com a morte e que se interessem por esse tema. Isso que espero com meu trabalho, espero sinceramente ajudar nossas sociedades não a encarar a morte a partir de nossa vida, mas a encarar a vida a partir de uma compreensão aprofundada da morte, nos convidando a desfrutar plenamente da grande aventura da Vida, sem medo.
Qual é sua visão em relação à morte?
Sylvie – Pessoalmente, quando eu tinha apenas 23 anos, perdi duas pessoas muito queridas em acidentes trágicos. Fui capaz de perceber de forma muito dolorosa que nossa sociedade, supostamente civilizada, nega a morte e o luto que inevitavelmente a segue. Na França, há agora psiquiatras especialistas nos cuidados do luto como se ele fosse uma neurose a ser superada. Nesse momento crucial da minha vida, quando foi necessário que eu aceitasse o inaceitável, me dei conta de como estão abandonadas as pessoas que enfrentam o luto. Mas a morte é inevitável e temos de encontrar maneiras para encará-la. De onde vêm os nossos medos? Como nos preparar para a morte? Todas essas questões existenciais são ignoradas porque estamos sempre com muita pressa de existir. Enquanto a sociedade nega a morte se escondendo atrás dos muros estéreis dos hospitais, eu fiz uma escolha artística e terapêutica de mergulhar no mundo hermético do hospital. Com essa escolha eu quis mostrar a riqueza e a qualidade de vida, mesmo no fim, graças aos cuidados de acompanhamento das equipes médicas e paramédicas. Nesse momento de vulnerabilidade pelo qual todos passaremos, queremos um olhar, um gesto com atenção e respeito, que nos dá a certeza de continuarmos humanos.